16.6.07

 

Sinal de Esperança


À maneira dos cristãos, que, depois da Páscoa, continuam durante várias semanas a gozar as delícias da Ressurreição de Cristo, animados com a confirmação da sua Fé, assim me encontro eu ainda em relação ao facto da condecoração de José Pedro Machado, no passado dia 10 de Junho.

Para alguns parecerá pueril tanto entusiasmo, numa época em que as condecorações andam bastante desvalorizadas, pelas muito discutíveis escolhas conhecidas, pelo enorme compadrio que as tem rodeado, pelos numerosos esquecimentos inexplicáveis, etc.

Tudo isto é certo e sabido e eu mesmo, aqui nesta tribuna, já tenho apontado algumas distinções descabidas, outras até inconcebíveis. Lamentavelmente, tudo isto é verdadeiro, reconheço-o liminarmente. Com isso elas se degradam e o respeito que lhes deveria ficar sempre associado se desvanece, todos perdendo com o exercício de injustos critérios.

Mas todas as sociedades devem curar de reconhecer o mérito dos seus cidadãos, premiando-o sempre que possível e propondo-o à emulação geral. Quando os que merecem são premiados, é toda a sociedade que sai beneficiada. Sentimo-nos pacificados, confortados com esses actos, apontamo-los aos mais e procuramos seguir o seu exemplo. Assim se edificam as bases de uma desejada meritocracia.

Pelo contrário, quando vemos premiados os falsos valores, por meio de compadrios, cunhas e empenhos, nasce em nós uma revolta e começa a insinuar-se um fundo de descrença no esforço individual. Se tal se torna frequente, o efeito de mimetismo espalha-se em concomitância, construindo-se paradigmas invertidos ou anti-paradigmas, rapidamente se chegando ao egoísmo desbragado do salve-se quem puder.

Daqui ao ambiente da selva, vai um passo, com todos os perigos sobejamente enumerados e exorcizados.

Por isso nos devemos regozijar, quando os juízos se revelam acertados e as distinções recaem sobre quem reúne os merecimentos para tal.

No caso que aqui me traz a opinar, os méritos eram por demais evidentes, abundantes e de fácil comprovação.

Alguém que levou décadas de vida de labor continuado, sem desfalecimento, mesmo quando não achava facilidades, nem o justo reconhecimento para o seu trabalho, sempre apresentando obra, porventura algumas vezes imperfeita ou incompleta, evidentemente sujeita a crítica, como toda a obra humana, mas realizando o seu trabalho de forma competente, honesta, nos desígnios e nos meios, não pode deixar de merecer a nossa consideração, o nosso respeito e o nosso louvor.

Com esta atitude também nós, os que não produzimos obra comparável, nos honramos e ela, afinal, nos custa tão pouco. E se isto parece banal, porque não é esta atitude mais comum na Comunidade ?

Diria eu que só não é ela mais comum, por causa de um velho defeito humano, que está connosco desde sempre – a inveja – que já foi pecado capital e nem mesmo assim ele regrediu na sua prática, prosseguindo o seu império, apesar de todo o proclamado progresso humano.

No tempo presente, falidas as utopias sociais do século XX que fizeram sonhar tanta gente em todo o Mundo, a edificação de uma sociedade meritocrática deve suscitar-nos ainda alguma esperança. Sem deslumbramentos, hoje ridículos, resta-nos a obrigação de lutar por alguns ideais que dão sentido e consistência à nossa vida individual e colectiva.

A garantia de uma Justiça credível, eficaz, célere, que puna a corrupção, que desencoraje o crime; a prática da Solidariedade; a sustentação de um Sistema de Saúde Universal, gratuito para cidadãos de parcos recursos e moderadamente comparticipado para quem dispõe de maior desafogo económico; um Sistema de Ensino Público, sério, confiável, baseado no rigor e na exigência, concebido para habilitar os portugueses e não para os iludir com aprovações estatísticas, são os pilares de uma qualquer sociedade em que prevaleçam princípios meritocráticos.

Se persistirmos na ilusão de que cada um tem de safar-se, de qualquer maneira, para se tornar rico, ganhar muito dinheiro, sem curar dos métodos, sem buscar o aperfeiçoamento pessoal, sem adquirir capacidade profissional, sem sentido de pertença a uma Comunidade, sem conceitos éticos, apenas norteado pelo dito sucesso igual a dinheiro e sempre mais dinheiro, desprezando todos os demais valores, sem os quais um dia nem o próprio dinheiro terá significado, se continuarmos a apostar sobretudo nos contactos, nos empenhos, nas cunhas, no compadrio, etc., não sairemos da estagnação em que há vários anos caímos.

Há momentos em que a Esperança parece legítima. Devemos aproveitar esses providenciais momentos, para acreditar que o futuro pode ser melhor.

O País mergulhou num negativismo perigoso. A mediocridade triunfante tem-nos deprimido.

É imperioso descobrir exemplos que sustentem algum optimismo, não o optimismo balofo, que ignora a realidade, porque esta necessita de ser conhecida, estudada, dissecada, mostrada a todos, não para desmoralizar, mas para que todos compreendam que ela pode e deve ser modificada, melhorada.

O presente caso da condecoração no Dia de Portugal, de um indefectível Patriota, como José Pedro Machado, um Homem sábio, sério, competente, trabalhador, empreendedor, persistente e de grande aprumo ético e cívico deve servir-nos a todos nós de renovado estímulo, para trabalharmos mais, com confiança nas nossas capacidades, para merecermos um futuro melhor.

Honra ao Mérito.

AV_Lisboa, 16 de Junho de 2007

6.6.07

 

Condecoração de José Pedro Machado no 10 de Junho


Há notícias assim, com o condão de nos deixarem jubilosamente surpreendidos. Nada por que não nos tivéssemos batido, de há cerca de dois anos para cá, desde a data da morte de José Pedro Machado, ocorrida em 26 de Julho de 2005.

Um pequeno grupo de cidadãos, reunidos na Associação dos Antigos Alunos da Escola Industrial Afonso Domingues, na sua maioria antigos discípulos daquele insigne Académico, verdadeiro Mestre de gerações, no saber, na ética, como na vida, sem dispor de influências especiais, prestou-se a lutar pelo reconhecimento e divulgação do nome e da obra de um dos seus mais queridos Professores, notável homem de letras, lexicólogo de raro fôlego, um dos maiores dicionaristas portugueses de todo o século XX e início do século XXI.

Num tempo tão avaro de reais valores, frequentemente desatento a alguns dos nossos espíritos mais brilhantes, apesar da profusão das suas obras, é reconfortante verificar que, nalguns casos, contra faltas e omissões inexplicáveis, se consegue fazer justiça, ainda que tardiamente.

Como sempre defendemos, as condecorações que JPM possuía eram de escasso relevo para a grandeza dos seus méritos, sobretudo se comparados com os da maioria de outras personalidades prodigamente distinguidas pelos vários Presidentes da República nos mais de três decénios decorridos após a Revolução do 25 de Abril de 1974.

Tal circunstância, como afirmávamos, não era impeditiva de que JPM viesse a receber nova condecoração, desde que superior às anteriores, condigna com os seus reais méritos intelectuais e cívicos.

Sempre pugnámos também pela sua consagração na data simbólica do 10 de Junho, dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas espalhadas pelo Mundo, entidades a quem JPM tanto trabalho e carinho devotou, com imensas obras que tratam predominantemente de temas relacionados com a Língua, a História e a Cultura Portuguesas.

Analogamente, à figura de Luís de Camões, a «Os Lusíadas», aos Descobrimentos Marítimos e à Viagem de Vasco da Gama dedicou JPM vários dos seus estudos específicos, como em pormenor já aqui assinalei noutros artigos que em sua honra ousei escrever, suprindo uma clara falta de atenção da nossa comunidade científica e cultural.

Com o seu discreto mas altivo perfil de cidadão exemplar e de patriota esclarecido nenhuma outra data, senão o 10 de Junho, poderia ser mais adequada para a sua consagração.
Vê, assim, com suprema satisfação, este pequeno mas persistente grupo de cidadãos, coroados de êxito os seus continuados esforços, em boa hora empreendidos, ao receber a informação de que o seu Mestre dilecto de uma época já algo distante, vai ser condecorado, a título póstumo, com o Grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, no próximo domingo, 10 de Junho de 2007, em cerimónia protocolar a realizar no Edifício do Porto da cidade de Setúbal.

A representá-lo estará, fisicamente, uma das suas extremosas filhas, a quem já felicitámos, bem como estendemos à restante família as correspondentes saudações, e estaremos nós outros e, por certo, muitos mais cidadãos, em espírito, em comunhão de sentimentos, com este nobre acto de reparação de um incompreensível esquecimento que teimava em persistir, para com quem tanto honrou e dignificou o Ensino, a Ciência e a Cultura do seu País.

Desta feita, cumpre louvar, sem qualquer parcimónia, o alto critério exercido pelo Senhor Presidente da República Aníbal Cavaco Silva.

Por este exercício se honra o Presidente da República, se honra o País, e por ele ficamos nós profundamente orgulhosos de havermos porfiadamente sustentado a necessidade da presente distinção, com o apoio de algumas – poucas – Entidades, a quem iremos individualmente agradecer, como é nossa obrigação.
Certamente que as entidades oficiais me perdoarão a antecipação desta agradável notícia aqui emocionalmente revelada.

Cabe a propósito rematar : nunca é tarde para se fazer justiça, lá onde ela precise de ser feita.

- Finis coronat opus / O fim coroa a obra.

- Guta cavat lapidem, non vi sed saepe cadendo / A gota escava a pedra, não pela força, mas caindo muitas vezes.


AV_Lisboa, 05 de Junho de 2007

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